Um universo no plano


Uma boa maneira de se entender as muitas dimensões é
estudar propriedades
geométricas 
em espaços inferiores e depois extrapolar e partir para espaços superiores. Como vivemos em um universo 3D, vamos começar por baixo, num mundo sem a terceira dimensão.

Imagine um espaço achatado, diferente do nosso, com somente duas dimensões: um universo plano. À primeira vista, ele nos parece restritivo, porque não permite a existência dos nossos objetos comuns, que têm volume, mas talvez não seja bem assim. Por ser infinito, ele oferece total liberdade para o movimento dos seres que nele habitam e que tenham a tecnologia necessária para realizar grandes viagens cósmicas. Não há limites impostos em qualquer direção arbitrária que se decida explorar. Uma vez iniciado um percurso retilíneo, ele pode continuar para sempre, permitindo que um astronauta aventureiro visite lugares sempre novos. Há espaço de sobra para todos e, mesmo não havendo uma terceira direção, quem vive no plano não sente falta dela. Aliás, a maioria dos habitantes do universo plano acha que quem fala sobre uma possível terceira dimensão deve estar com algum problema mental sério.

A figura 3.1 (fora de escala) mostra Eck, um cientista 2D inteligente (com quatro braços) que está de pé sobre o solo do planeta Xy, pertencente ao Sistema de Luxy. Note que a gravidade atrai Eck para baixo, em direção ao centro de Xy, da mesma forma como somos atraídos aqui para o centro da Terra. Como a superfície esférica (2D) sólida da Terra não nos deixa afundar, a circunferência (1D) sólida de Xy também mantém Eck confortável. A pequena lua Circ gira ao redor de Xy e causa um eclipse total na estrela Luxy para cada volta, fazendo o dia se transformar em noite por alguns minutos. No outro lado da órbita, Circ entra na sombra de Xy e fica escura por algumas horas. Isso é fantástico, porque num universo 2D os eclipses são inevitáveis e, por isso, mais freqüentes. Todos os planetas com órbitas internas em relação a Xy passam sempre pela frente de Luxy e produzem trânsitos, que costumam ser raros num universo 3D.  Figura 3.2 Generalizando o fenômeno, percebe-se que qualquer passagem de um astro por outro vai causar sempre uma ocultação parcial ou total daquele que estiver mais distante. Mas um grande problema desse universo achatado são as colisões com cometas e asteróides, mais prováveis lá do que aqui no nosso espaço 3D. Como se pode ver, o universo de Eck não é assim tão diferente do nosso, embora tenha as suas particularidades.
Nosso amigo cientista 2D está interessado em pesquisar a terceira dimensão e resolve viajar para uma região vazia do espaço (figura 3.2), muito distante de galáxias, estrelas, planetas e, principalmente, pessoas. Ele pretende estudar as propriedades do próprio universo em que vive. Ele começa desenhando um grande triângulo (com raios de luz) para somar seus três ângulos internos. Ele encontra 180 graus e se lembra que o seu amigo Ecklides, matemático, havia demonstrado que esse valor indica que o espaço que contém o triângulo tem a forma de um plano. Eck não consegue ver o plano como nós o vemos, já que está dentro dele, mas conhece suas propriedades geométricas. Ele sabe muito bem que só consegue traçar dois eixos perpendiculares entre si (X e Y) e que por isso está preso num tipo de universo de duas dimensões onde a existência de linhas retas é permitida.

Eck faz também um teste com dois segmentos de reta ligados por um vértice comum e conclui que a rotação em torno de um ponto é realizável em seu universo 2D. Quando cola dois quadrados por uma aresta comum, percebe que a rotação em torno de uma reta é impossível. Não dá para dobrar aqueles quadrados pela aresta de junção (o origami perde a graça num espaço 2D). Eck nota que num espaço de apenas uma dimensão a rotação em torno de um ponto é impossível. Mas, como ela é possível num espaço 2D, então a rotação em torno de reta deve ser possível em um espaço 3D. Percebeu o artifício? Eck encontrou uma analogia e partiu para descobrir uma propriedade do espaço 3D. Ele subiu a escada das dimensões, levando o mesmo problema para cima. Nessa escalada, um ponto se transforma em um segmento de reta, um segmento de reta setransforma em um polígono (como um quadrado) e um polígono - Eck ainda não sabe disso - se transforma em um poliedro (como um cubo). Resumindo, no espaço 1D não existe rotação; no espaço 2D existe rotação em torno de ponto; no espaço 3D existe rotação em torno de ponto e de reta. Quanto mais dimensões tiver um espaço, mais liberdade de movimento teremos. Isso vai ser útil mais tarde, quando Eck tentar imaginar um sólido do espaço 3D.

O problema da figura 3.3 deixa Eck intrigado. Ele pensa em um espaço 1D com dois pontos fixos, A e B. Eck não consegue colocar um terceiro ponto C na reta de modo a ter AB=AC=BC. Não há lugar para o ponto C que faça as três distâncias ficarem iguais. Entretanto, quando ele leva o mesmo desenho para o plano, a solução aparece de imediato, ficando com a forma de um triângulo equilátero. Eck transporta o problema uma dimensão acima e imagina agora três pontos fixos, A, B e C, colocados no seu universo 2D, já formando aquele triângulo equilátero. Ele procura desesperadamente colocar um quarto ponto D no plano para ligá-lo a cada vértice do triângulo e ficar com seis segmentos de reta iguais (AB=AC=AD=BC=BD=CD). Ele não encontra lugar para o ponto D e conclui que no plano a tarefa é impossível, mas, com a experiência que adquiriu, fica com a certeza de que haveria uma saída para o impasse se o seu espaço tivesse uma terceira dimensão. A solução está no tetraedro regular da mesma figura 3.3, mas o ponto D encontra-se obviamente fora do universo de Eck, num lugar que poucos de seus companheiros coplanares acreditam que existe.

Eck começa a treinar sua mente para trabalhar com mais dimensões e já se sente desconfortável por estar fisicamente aprisionado em um plano. Ele acha que talvez não seja uma boa ideia comentar sobre suas descobertas com pessoas leigas, muito menos divulgá-las na rede universal de computadores.

Mas suas surpresas estão ainda começando.